Receita para alfabetizar crianças |
Imagino que vocês já devem ter se perguntando inúmeras vezes como favorecer a alfabetização inicial das crianças, não é?
Pois as dezenas de anos de experiência, a reflexão sobre a própria experiência e os meus estudos relacionados à alfabetização contribuíram para a construção de uma certeza até agora inabalável:
Para ensinar as crianças a ler e escrever é preciso trabalhar, de forma intencional e planejada, com os conteúdos e os tipos de atividades relacionados a seguir. Diariamente, com pelo menos alguns.
Veja Ainda:
CONTEÚDOS
(conteúdos procedimentais
que as crianças precisam aprender com a ajuda efetiva da professora)
- Refletir sobre a relação oral-escrito.
- Desenvolver atenção às características da escrita quando a professora mostra onde está escrito o que se lê.
- Analisar as características do próprio nome e dos nomes de pessoas conhecidas.
- Utilizar, nas atividades de “ler para aprender a ler”, não só a decifração, mas também estratégias de antecipação, inferência, seleção e verificação.
- Ajustar o que sabe que está escrito com a própria escrita (em textos poéticos conhecidos de cor ou outros que permitam esse tipo de ajuste).
- Utilizar todo o conhecimento e os recursos disponíveis para fazer suposições sobre o que pode estar escrito e encontrar palavras em textos poéticos conhecidos e em listas verdadeiras – de coisas familiares, de respostas a atividades lúdicas e outros tipos de listas que fizerem sentido.
- Utilizar todo o conhecimento e os recursos disponíveis para escrever da forma que conseguir, sempre da melhor forma possível.
- Desenvolver atenção para o valor sonoro convencional das letras em situações reais de leitura e escrita de textos.
- Escolher quantas e quais letras utilizar para escrever.
- Interpretar a própria escrita, justificando as escolhas feitas: por que sobram ou faltam letras, por que elas parecem estar fora de ordem, por que parece estar escrito errado conforme seu próprio critério etc.
- Analisar coletivamente diferentes formas dos colegas escreverem palavras significativas para a turma.
- Refletir sobre escolhas diferentes feitas pelos colegas em situações de trabalho em parceria.
- Produzir escritas em parceria quando a tarefa é escrever junto e cada um deve colocar uma letra por vez, aprendendo a argumentar sobre as próprias ideias, ouvir as justificativas do colega e rever as escolhas, quando for o caso.
- Tomar decisões diante dos desafios colocados por essas situações, confiando na própria capacidade de fazer escolhas e arriscar respostas.
TIPOS DE ATIVIDADES
(propostas para trabalhar os conteúdos procedimentais acima relacionados)
- Escrever como conseguir.
- Revisar coletivamente a escrita com a ajuda da professora.
- Encontrar palavras em versos de textos conhecidos.
- Encontrar palavras em listas de itens ou de respostas para desafios lúdicos como adivinhas ou cruzadinhas.
- Ordenar textos poéticos conhecidos.
Bem, isso significa que todo dia deve acontecer pelo menos uma proposta de atividade assim, envolvendo um ou mais conteúdos procedimentais da lista acima. Esse tipo de atividade precisa ser uma situação-problema, de fato, desafiadora (isto é, difícil e possível ao mesmo tempo), potencializada por agrupamentos bem formados considerando o que as crianças sabem ou não e suas possibilidades de trabalhar produtivamente em interação. Garantidas essas condições didáticas, ainda mais se potencializadas com boas perguntas, que ajudem a pensar e a relacionar o que as crianças precisam descobrir com o que já sabem, em alguns meses elas compreenderão como funciona a escrita alfabética, a menos que tenha um comprometimento intelectual muito significativo. Terão, assim, conquistado a alfabetização inicial.
Pensem comigo: se for feita uma única atividade com essas características por dia, com duração de no máximo meia hora, em 200 dias letivos cada criança terá refletido durante 100 horas (cem horas!) sobre como funciona a escrita alfabética, de maneira focada, com as ajudas que precisou e com bons problemas para pensar. Como não se alfabetizar?! Como não amar as professoras que fazem isso?!!
Mas se, ao contrário, os conteúdos trabalhados forem fazer cópia, treinar sons descontextualizados, repetir e separar sílabas, reproduzir palavras com sílabas trabalhadas, formar frases, fazer caligrafia muscular e outros procedimentos do tipo estaremos roubando das crianças um tempo preciso de aprendizagem e retardando o seu processo de alfabetização. É justo?!
PS. Reparem que essas considerações dizem respeito apenas àquela meia hora diária de trabalho específico com a alfabetização inicial. Tudo o mais a abordar com as crianças (não só em Língua Portuguesa, mas nas demais áreas de conhecimento) é assunto do tempo restante que elas permanecem na escola.
Rosaura Soligo - Lattes
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