Ela é doce, curiosa e quase sempre obediente. Mas também ama ser o centro das atenções, gosta de assustar o irmão menor, zomba da pança do pai e sente inveja a ponto de bater o telefone na cara da amiga que sabe assobiar. Coisa que ela, apesar de muito esforço, ainda não consegue.
Essa poderia ser a descrição de qualquer criança. Trata-se, porém, da folha corrida da porquinha Peppa, 4 anos. Se você não passou os últimos tempos em Netuno, sabe que estou falando de um desenho animado. Peppa é a filha mais velha de uma família de suínos, em torno da qual orbita uma rica fauna. Há as crianças – o irmão George, o pônei Pedro, a coelha Rebecca – e animais adultos -- Papai e Mamãe Pig, avós, tios e outros bichos. As tramas giram em torno dos dilemas típicos das crianças: a disputa por brinquedos, o dia a dia na escola, regras domésticas e por aí vai.
Minha filha Luiza tem 2 anos e adora a Peppa. Eu também. Na espera de um raro episódio inédito, já me atrasei para o trabalho. Fiquei espantado quando um casal de amigos me contou que não deixava o filho assistir ao desenho porque era “má influência”. Achei que era um caso isolado, mas outra conhecida me disse a mesma coisa...
Fui para o Google e descobri que estava diante de uma controvérsia internacional! Na Austrália, em 2013, um colunista conservador chamado Piers Akerman provocou polêmica ao criticar o programa. Akerman disse que Peppa “seguia uma linha feminista esquisita” e que defendia valores de esquerda, “próximos aos do Partido Trabalhista, e não das crianças em idade pré-escolar”.
Eu me pergunto do que essa turma tem medo. Seria da senhora Ovelha, que cria sozinha sua filha Suzy? Da dona Coelha, que dirige helicóptero, é caixa de supermercado e taxista? Ou da madame Gazela, dublê de professora de creche e guitarrista de uma banda de rock?
Peppa Pig mostra machos e fêmeas ocupando papéis inesperados em relação aos padrões de masculino e feminino. Nada de revolucionário, mas um avanço em relação ao retrato das famílias com pais provedores, mães recatadas e do lar, filhos dóceis e puros, que só existem... eu ia dizer nos desenhos, mas felizmente nem neles mais!
Para mim, é um conforto que a Luiza veja as trapalhadas do Papai Pig. O porquinho atencioso e amoroso com os filhos tem medo de altura, não sabe ler mapas e é um desastre na bricolagem. E heresia das heresias: tem menos força física que a Mamãe Pig. Quem sabe isso não gere alguma empatia da minha filha com seu próprio papai trapalhão?
Aqui em casa, assistimos Peppa Pig porque achamos divertido. Mas gosto de pensar que faz bem para a Luiza encontrar em seu programa preferido um mundo plural, em que ninguém é perfeito, mas todos se respeitam. Parece uma boa imagem para a sociedade melhor que ela pode ajudar a construir no futuro.
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Escrito por: Rodrigo Ratier - Jornalista, com mestrado e doutorado em Educação. Foi um dos fundadores do Projeto Redigir, onde deu aulas por 5 anos, e também lecionou no Ensino Médio do Colégio Stockler e na especialização em Jornalismo Político da PUC de São Paulo. É voluntário da ONG Repórter Brasil e pesquisador do Grupo de Pesquisa Práticas de Socialização Contemporânea, da Universidade de São Paulo (USP). Para tudo no final da tarde para buscar a filhota Luiza na escola
Fonte: Nova Escola
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